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quarta-feira, 31 de agosto de 2016
Uma grande verdade que a Sagrada Escritura nos revela é esta: pertencemos a Deus (cf. I Cor 6,19). “Nós somos o povo de que ele é o pastor” (Sl 94,7b), exclama o salmista no Invitatório, depois da exortação: “Vinde, inclinemo-nos em adoração, de joelhos diante do Senhor que nos criou” (Sl 94,6). Se Ele nos criou como a mais excelsa expressão da Sua glória e do Seu amor, somos seus: nossa vida Lhe pertence e somente Nele saciaremos a sede infinita que existe no coração de cada um de nós. Falando aos gregos em Atenas, o Apóstolo dos gentios afirmou: “É Nele que temos a vida, o movimento e o ser” (At 17,28a). O peixe foi feito para viver na água, o homem em Deus!
Mas o pecado nos afastou de Deus, e a humanidade se dispersou longe de Deus. Mas Cristo nos conquistou novamente para Ele, com o preço da Sua vida. “Ele veio para o que era seu” (Jo 1,11). “Ele morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressurgiu” (2 Cor 5,15). Pertencemos a Jesus Cristo, pois Ele nos comprou com o preço da Sua vida. São Pedro, na sua primeira carta, falou disso com clareza: “Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro, que tendes sido resgatados (…) mas pelo precioso sangue de Cristo, o Cordeiro imaculado e sem defeito algum” (2 Pd 1,18.19). Pertencemos ao Senhor!
Essa nossa “pertença” a Deus é muito viva nas cartas dos santos apóstolos, as quais nos conclamam a viver segundo esta vocação a que fomos chamados. A maior graça que recebemos do Pai foi a de nos tornarmos Seus filhos, pela adoção em Jesus que assumiu a nossa natureza. “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós somos de fato. (…) Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus” (1Jo 3,1-2). E o mesmo Apóstolo afirmou que: “a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12). Pela fé no nome de Jesus e pelo Batismo, tornamo-nos filhos de Deus e “predestinados a ser conformes à imagem de Seu Filho” (Rm 8,29).
Pertencemos a Deus! Para sempre! Nesta vida e por toda a eternidade! Sem a consciência clara desta realidade sobrenatural, a vida do homem não pode desabrochar plenamente. Quando temos a convicção de que pertencemos ao Senhor, nossa vida muda. Nossa vontade será trocada ansiosamente pela vontade de Deus, a quem pertencemos. Por isso, dizemos que Ele é o nosso Senhor, isto é, o nosso proprietário. O sopro de vida que há em nós Lhe pertence, e Ele pode retirá-lo de nós quando quiser. O próprio autor da vida afirmou: “Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” (Mt 6,27). “Portanto, eis que vos digo: Não vos preocupeis por vossa vida” (Mt 6,25).
É porque Lhe pertencemos que o Senhor nos garante que, se buscarmos em primeiro lugar o reino dos céus, Ele cuidará de nós melhor do que dos lírios dos campos e das aves do céu, que não semeiam nem ceifam (cf. Mt 6,33). Já que somos propriedade sagrada de Deus, não podemos viver de qualquer jeito, desperdiçando a vida, o tempo e os talentos. Precisamos viver para fazer a vontade de Deus. A Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, nos ensina que o homem é a única criatura no mundo visível que o Criador quis por si mesma e que tal homem não pode encontrar-se plenamente a não ser na doação sincera de si mesmo.
Porque nos ama, e sabe que só seremos felizes Nele e com Ele, é que Deus nos educa na fé, nos corrige com Sua pedagogia amorosa, mas às vezes severa. Deus é nosso Pai, mas não é paternalista, isto é, Ele nos corrige quando é necessário a fim de chegarmos à perfeição que deseja para nós. A Carta aos Hebreus explica isso muito bem:
“Filho meu, não desprezes a correção do Senhor. Não desanimes, quando repreendido por ele; pois o Senhor corrige a quem ama e castiga todo aquele que reconhece por seu filho (Pr 3,18). Estais sendo provados para a vossa correção: é Deus que vos traia como filhos… se permanecêsseis sem a correção que é comum a todos, serieis bastardos e não filhos legítimos” (Hb 12,5-8).
Quer dizer, aos olhos da fé, as provações desta vida são usadas como parte da pedagogia paterna de Deus em relação a nós, Seus filhos. “Feliz o homem a quem ensinais Senhor” (Sl 93,12). “Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige!” (Jó 5,17).
E o Apóstolo foi fundo na questão: “Deus nos educa para o aproveitamento, a fim de nos comunicar a Sua santidade” (Hb 12,10). Pelas provações, Deus quer fazer-nos santos. É por isso que a provação é penosa para nós. Mas, disse o apóstolo: “É verdade que toda correção parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, granjeia aos que por ela se exercitaram o melhor fruto de justiça e de paz” (Hb 12,11). Essa é a recompensa da educação paterna de Deus: paz, justiça e santidade, E São Paulo nos alenta dizendo: “Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rm 8,18).
Portanto, não nos assustemos com o sofrimento de cada dia. É por isso que Jesus nos disse: “Tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (Lc 9,23). Há ervas daninhas em nossa alma que podem matá-la; e Deus não pode permitir isso; às vezes ele tem até de cortar um galho da árvore para não permitir que a erva má tome conta da planta e a mate; e Ele faz isso conosco também; porque nos ama. A poda é essencial para a árvore poder dar frutos maiores e melhores.
Ou será que você que é pai e mãe nunca levou um filhinho para tomar uma dolorosa injeção? Você duvida que o fez por amor? A mesmíssima coisa Deus faz conosco; algumas vezes ele nos leva para tomar um dolorosa e curativa “injeção”. Não reclame, agradeça, porque você não é mais criança. Diga como Santo Agostinho: “corta Médico divino, corta fundo, desde que minha alma não morra!”.
Deus nos ama e por isso nos educa através das provações da vida que, segundo São Tiago, produzem em nós “uma obra perfeita” (Tg 1,4). Assim Deus destrói em nós os ídolos que querem tomar o Seu lugar em nosso coração que Lhe pertence. Ele age assim conosco porque somos seus filhos legítimos e não bastardos. É nos acontecimentos de cada dia que Deus nos santifica. Então, temos de prestar atenção neles, e nos abandonar suavemente nas mãos do Artista que molda a nossa alma à sua imagem.
Quanto mais temporais e tempestades o carvalho enfrenta, mais forte ele fica! Suas raízes naturalmente se aprofundam mais na terra e seu caule se torna mais robusto, sendo impossível uma tempestade arrancá-lo do solo ou derrubá-lo!
O padre Leonel França disse que “quem se decidiu a sofrer resolveu o problema de sua santificação”. Para nos educar e quebrar em nós os ídolos falsos e os maus impulsos, Deus sabe usar as provações da vida. Depois que o pecado entrou no mundo, as provações desta vida fazem parte da pedagogia paterna de Deus para nos salvar. O salmista entendia isto: “Feliz o homem a quem ensinais, Senhor” (Sl 93,12).
Muitas vezes Deus entra em uma vida através de um reumatismo, de uma cegueira, de uma pneumonia, de um câncer, de uma perna amputada… Nada disto é bom, e deve ser evitado, mas Deus sabe usar estes males para o nosso bem.
Musset dizia que “o homem é o aprendiz, a dor o mestre, e nada se conhece bem quando não se sofreu”.
Para livrar S. Paulo do perigo da vaidade – ele mesmo afirma – Deus lhe deu “um espinho na carne”. O Apóstolo teve visões celestes, e isto podia levar-lhe ao orgulho; então Jesus deu-lhe aquele espinho, que não sabemos que tipo de sofrimento era. Ouçamos o Apóstolo: “Conheço um homem em Cristo que há quatorze anos foi arrebatado até o terceiro céu… foi arrebatado ao paraíso e lá ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a um homem repetir”. “Para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade”… E Deus lhe disse: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que se revela totalmente a minha força.” (2Cor 12,2-6)
A partir desta lição, o Apóstolo preferia gloriar-se das suas fraquezas, e não dos seus sucessos: “Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo… porque quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2Cor 12, 7-10). Para o santo Cura D’Ars, S. João Vianney, para ganhar o Céu é preciso da graça e da cruz. Ele dizia que “o sofrimento é necessário para conservar a graça”.
A hora das grandes almas é a hora do sofrimento; se agigantam. Como dizia Lacordaire: “Quando tudo está perdido, então é a hora das grandes almas”.
É uma arte saber aproveitar as nossas misérias para nosso progresso espiritual, assim como se aproveita o esterco para adubar a planta. A cruz que Deus permite chegar a nós, vem coberta de graças. Sem dúvida, o sofrimento é um purgatório antecipado na terra, onde já vamos nos purificando e santificando. É o jardineiro divino que poda a videira para que dê frutos maiores e maios doces (Jo 15, 5).
Somos como o barro nas mãos do oleiro. Deus torneia, endurece, põe no fogo, quebra-o quando necessário. Nunca o vaso diz ao oleiro “não estou contente!” ou “por que me fizeste assim?”
Prof. Felipe Aquino
http://cleofas.com.br/a-pedagogia-de-deus/