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terça-feira, 13 de setembro de 2016
É preciso compreender que o livro do Gênesis não foi concebido como um livro de ciências naturais, mas sim como obra de espiritualidade. De modo especial o “hexaémeron”, a obra dos seis dias (Gn 1, 1-2, 4 ), foi escrito para incutir aos israelitas o repouso do Sábado: Deus é mostrado como o Grande Operário que fez o mundo em seis dias e repousou no sétimo. É uma imagem apenas (Deus não se cansa nem descansa). O autor sagrado usou o modo de pensar de sua época em relação ao mundo. Deus não quis lhe revelar como teve origem o mundo.
O autor sagrado utilizou a imagem do Deus-oleiro, que era muito comum para os povos antigos. Por exemplo, no poema babilônico de Gilgamesh conta-se que, para criar Enkidu, a deusa Aruru “plasmou argila”.
Assim, a imagem do Deus-Oleiro, apareceu também na Bíblia como uma metáfora. Quer dizer que, como o oleiro está para o barro, assim Deus está para o homem. Não se deve tirar desta passagem algum ensinamento científico.
Sobre a origem da mulher podemos dizer o mesmo.
A metáfora que mostra Eva “extraída de Adão” apenas quer dizer que ela teve o mesmo princípio do homem. A afirmação de Adão: “Esta é osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23); é metafórica e significa que a mulher tem a mesma natureza e dignidade do homem, diferente dos demais seres.
Santo Agostinho diz que a metáfora quer nos ensinar que a mulher foi tirada “do lado” do homem, assim como a Igreja nasceu do lado de Jesus aberto na cruz. Ela não foi tirada do pé do homem, pois não devia ser-lhe escrava; mas também não foi tirada da cabeça, pois não devia ser-lhe chefe. Foi tirada “do lado”, para ser companheira.
O que importa é afirmar que os primeiros pais foram elevados à filiação divina (justiça original) e que, submetidos a uma prova, não se mantiveram no estado de amizade com Deus (cometeram o pecado original).
Seria falso, porém, dizer que Adão e Eva nunca existiram ou que são fábula ou alegoria: são tão reais quanto o gênero humano é real; o texto sagrado nos diz que Deus tratou com o homem nas suas origens,… com o homem real, e não com um ser fictício. E a história referente aos primeiros pais é história real, embora narrada em linguagem figurada (serpente, árvore, fruta…).
A origem das raças não exige que a humanidade tenha surgido em vários lugares diferentes. O conceito de “raça” é flexível; raça resulta de um conjunto de determinados elementos do ser humano (cor da pele, forma dos olhos, tipos de cabelo…). Todavia a mesclagem desses elementos é tão variegada sobre a face da terra que há uma gama contínua de tipos entre o indivíduo branco, o negro, o amarelo… Em consequência, a origem desses tipos raciais pode explicar-se a partir de um só princípio: devem-se não somente às diversas condições de clima, alimentação, trabalho… das populações, mas também ao fenômeno do mutacionismo (mudanças bruscas em indivíduos raros, que se transmitem estavelmente).
Entre outras coisas, como ensina D. Estevão Bettencourt, o livro do Gênesis quer nos ensinar, através de uma linguagem metafórica que:
1. Deus criou o ser humano masculino e feminino, podendo ter havido a evolução da matéria preexistente até chegar ao grau de complexidade do corpo humano;
2. Deus concedeu aos primeiros pais a chamada “justiça original”, que dava ao homem perfeita harmonia consigo, com Deus, com a mulher e com a Criação. A criação do mundo bom por parte de Deus, a elevação do homem à filiação divina e a violação dessa ordem inicial pelo pecado (Gn 1, 1-3, 24);
3. Deus deu aos primeiros pais um modelo de vida, figurado pela proibição de comer a fruta da árvore da ciência do bem e do mal. Criado para viver em comunhão com Deus, e como filho de Deus, ele devia comportar-se não guiado por si mesmo, mas pela obediência a Deus.
4. O homem, por soberba e desobediência, disse Não ao modelo de vida proposto pelo Criador, e, então, perdeu a comunhão com Deus e perdeu o estado de santidade e de justiça original.
5. O fratricídio de Caim, consequência do fato de que o homem abandonou a Deus; perdeu também o amor ao seu semelhante (Gn 4, 1-16).
Desta maneira, o autor mostra que Deus fez o mundo bom e convidou o homem para comunhão com Ele. Mas o homem disse Não. Deus reafirma seu desígnio de bondade, prometendo restaurar, mediante o Messias, a amizade rompida pelo pecado (Gn 3, 15). Este foi-se alastrando cada vez mais, como mostram os episódios de Caim e Abel (um fratricídio), do dilúvio e da torre de Babel. Então, para realizar seu desejo de reconciliação do homem com Deus, o Criador quis chamar Abraão para dar início a um povo portador da fé e da esperança messiânicas. Assim chegamos a Gn 12 (a vocação de Abraão).
Os autores sagrados quiseram também relacionar o mundo todo com Deus, mostrando que tudo é criatura de Deus e que não há muitos deuses. As verdades teológicas que a narrativa da criação em seis dias quer transmitir são religiosas e não científicas:
a) Só há um Deus. Não há astros sagrados, como os caldeus da terra de Abraão acreditavam. Não há bosques sagrados como os cananeus da nova terra de Abraão professavam. Nem há animais sagrados, como os egípcios, entre os quais viveu Israel, acreditavam.
b) Deus é bom e, por isto, fez o mundo muito bom. Se há mal no mundo, não vem de Deus, mas do homem (cf. Gn 3). Toda forma de dualismo (um Deus do bem e outro do mal) é rejeitado e não se rejeita a matéria como se fosse essencialmente má.
c) O mundo não é eterno, mas foi criado por Deus e começou a existir. Não entra na questão do evolucionismo, apenas mostra que a matéria e o espírito têm origem por um ato criador de Deus; qualquer teoria científica que admita isto, é aceitável aos olhos da fé.
d) O homem é o representante (imagem e semelhança) de Deus, não por seu corpo, mas por sua alma espiritual, dotada de inteligência, liberdade, vontade e consciência. “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança…”. O homem e a mulher têm a mesma origem, ambos surgem simultaneamente.
e) O casamento é uma instituição divina, tornando-se uma instituição natural, que não depende dos deuses da fecundidade admitidos fora do povo bíblico.
f) O trabalho do homem é continuação da obra de Deus; é santo, qualquer que seja a sua modalidade, desde que executado em consonância com o plano do Criador.
De maneira geral, pode-se dizer, então, que toda a tendência da narração da criação é apresentar o homem como mediador entre o mundo inferior e Deus; esse mediador exerce, por sua posição e sua atividade na terra, um sacerdócio ou a missão de fazer que todas as criaturas irracionais, devidamente utilizadas pelo trabalho do homem, deem glória ao Criador.
Os seis dias do Gênesis não significam eras ou períodos geológicos, como alguns quiseram entender no passado (era azóica, primária, secundária…). O autor sagrado não tinha as preocupações de um cientista, mas apenas um ensinamento religioso. Na verdade ele tinha em mente dias de 24 horas (nos quais houve tarde e manhã, cf. 1, 5.8.13.19.23.31); em outras palavras: ele imaginou uma semana como a nossa, mas uma semana simbólica, que nunca existiu.
Prof. Felipe Aquino
http://cleofas.com.br/o-que-o-livro-do-genesis-quer-ensinar/